domingo, 19 de fevereiro de 2017

Graves combates doutrinais dentro da Igreja

O livro do cardeal Coccopalmerio é somente o último exemplo de como o ensino tradicional católico está sendo questionado
(Catholic Herald/InfoCatólica) 18/02/17 4:22 PM – Tradução de Airton Vieira – Há poucas semanas, o periódico jesuíta La Civiltà Cattolica publicou um desconcertante artigo sobre o sacerdócio feminino. Seus argumentos são já conhecidos: o autor, que é o editor adjunto Pe. Giancarlo Pani, perguntava aos leitores se o sacerdócio exclusivamente masculino poderia estar defasado. Segundo o Pe. Pani, «existe mal-estar entre os que não entendem como a exclusão das mulheres do sacerdócio da Igreja pode coexistir com a afirmação e valorização da dignidade e igualdade da mulher».

O que é desconcertante é que essas afirmações apareceram em um diário editado por um dos conselheiros mais próximos ao papa, o Pe. Antonio Spadaro; um diário muito próximo à Santa Sé –cada página é revisada pelo Vaticano–, que o papa elogiou recentemente. Isso aponta a que a Igreja, inclusive em seus mais altos níveis, está entrando agora em uma guerra civil em toda regra em matéria doutrinal. Ontem presenciamos um novo exemplo, quando a Rádio Vaticana promoveu um novo livro do Cardeal Francesco Coccopalmerio, presidente do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos.
O Cardeal Coccopalmerio sustenta que os divorciados recasados podem receber a Comunhão se têm desejo de mudar sua situação, ainda quando não se proponham viver como «irmão e irmã». Em alguns casos, indica o Cardeal, abster-se das relações sexuais pode ser «uma impossibilidade». Põe o exemplo de um homem abandonado por sua esposa. O homem começa a conviver com outra mulher, que lhe ajuda a criar os filhos. Se esta união se rompesse, o homem poderia cair em um «profundo desespero» e as crianças perderiam à figura materna. O Cardeal acrescenta que «abandonar esta união suporia, portanto, deixar de cumprir um dever moral ante pessoas inocentes». Se a continência «lhes causa dificuldades», devem continuar realizando o ato sexual para preservar a relação.
As consequências da teses do Cardeal Coccopalmerio parecem contrárias à doutrina da Igreja. Começando pela questão mais óbvia, ou seja, a opinião do Cardeal segundo a qual uma relação sexual adúltera é compatível com a recepção da Comunhão é frontalmente oposto ao ensino católico. Esta incompatibilidade tem sido ensinada pelo papa São João Paulo II em 1981, o papa Bento XVI em 2007 e a Congregação para a Doutrina da Fé em 1994, sem mencionar aos Papas São Inocêncio I, São Zacarias, São Nicolas I … Poderia seguir dando exemplos.
Agora bem, não é este o único problema que coloca o livro do Cardeal Coccopalmerio. Vejamos sua afirmação de que abster-se das relações sexuais pode ser uma «impossibilidade». É muito difícil conciliar esta afirmação com a declaração do Concílio de Trento, segundo a qual «se alguém diz que ainda para o homem justificado e constituído em graça os mandamentos de Deus são impossíveis de observar, seja anátema». Isto significa que Deus, nosso Pai amoroso, nunca deixará de oferecer-nos sua ajuda. Mas o Cardeal Coccopalmerio pensa que, em ocasiões, evitar o pecado pode ser inviável.
As conclusões do Cardeal sobre o caso de que a continência «cause dificuldades» parecem também duvidosas. São Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, condenou a ideia de que seja possível «fazer o mal para que venha o bem» (Rom 3, 8). A Igreja interpreta esta questão de forma muito estrita. Santo Tomás de Aquino, seguindo o magistério perene, disse que não é possível ter uma relação sexual adúltera nem sequer para salvar a todo um país da catástrofe. Mas o Cardeal Coccopalmerio pensa que está permitido manter uma relação sexual adúltera se a continência «causa dificuldades».
Quanto à Comunhão em si, é obvio que uma pessoa em adultério contínuo está em uma situação de alto risco de encontrar-se em pecado mortal. Só Deus o sabe, mas se uma pessoa está cometendo um pecado grave, enquanto «discerne» seu caminho em relação com os ensinos católicos, a possibilidade de que assim seja é muito elevada. Receber a Comunhão em pecado mortal é, segundo São João Vianney, santo patrono dos sacerdotes, o pior de todos os pecados, pior que crucificar a Cristo. Muitos divorciados e recasados não se aproximam à Comunhão precisamente para evitar cometer um pecado mortal. A colocação do Cardeal Coccopalmerio sugere que dito risco é, em alguns casos, insignificante demais como para constituir um obstáculo.
Por suposto, o Cardeal não diz nada disto de forma direta. Não diz: «penso que João Paulo II, Bento XVI e a tradição da Igreja estão equivocados. Creio que a lei moral pode ser em algumas ocasiões impossível de cumprir. Não tenho nenhum problema, a princípio, em fazer o mal para que venha o bem. E não penso que receber a Comunhão em pecado mortal seja um pecado tão terrível como para que seja necessário adotar precauções a respeito». Mas o mero fato de que não afirme estas coisas não serve de grande consolo.
A interpretação menos generosa consiste em que os erros em religião sempre tentam evitar a claridade. O Beato John Henry Newman assinalou que os arianos utilizavam «uma linguagem vaga e ambígua, que … parecia ter um sentido católico mas que, em seu desenvolvimento a logo prazo, resultava heterodoxa». A interpretação mais generosa é que o Cardeal não refletiu suficientemente suas palavras e que, se se dá conta do que implicam, se retratará.
O Cardeal Coccopalmerio é uma figura de primeiro nível no Vaticano: seu livro se publicou com um apoio evidente do Vaticano [na Livraria Editrice Vaticana] e sem oposição oficial. Suas opiniões são próximas às de outros muitos prelados (como os bispos de Malta e a maioria dos da Alemanha). Assim pois, já não cabe considerar –se alguma vez foi possível– que o debate em torno à Comunhão é uma disputa marginal entre «progressistas» e «conservadores». Tampouco pode entender-se em termos de se se prefere um pouco mais de misericórdia ou um pouco mais de justiça. Agora, simplesmente, é um debate sobre se o magistério da Igreja continua sendo válido. E isso significa que o debate não terminará por aqui.
Escrito por Dan Hitchen.
Fonte: Sensus Fidei

Nenhum comentário:

Postar um comentário